Tenho um amigo, desses que no meu coração há uma avenida em seu nome, que convive desde a infância com forma aguda de ansiedade. Ela permeia e incomoda aspectos diversos de seus dias. É divertido ouvi-lo falar dos mecanismos de controle a que recorre, com a ironia e o estoicismo que já lhe são segunda natureza. Contou-me que medita todos os dias assim que acorda; também diariamente ingere um grama e tanto de remédio com nome estrangeiro e hostil; pratica natação; evita carboidratos; aos sábados e domingos, preenche cadernos sobre o próprio estado mental. Tudo isso me soou cansativo e excêntrico. Lembrei-lhe de que estou à disposição, mudamos de assunto.
Outra amiga - querida, tão querida - recentemente vivenciou profundo luto. Decidiu então que era tempo de promover relançamento de seus modos de vida, dos meandros pelos quais sentia o mundo, e era por ele sentida. Buscou vivências; entrou em contato com o sagrado feminino; ofereceu a aura para que fosse lida; entendeu o céu; aprendeu ajudar a nascer. Nadando de braçada na piscina turva do ceticismo, tive por bem apoiá-la em seus caminhos, mas não me esforcei para esconder certo espanto, nem que fosse por uma questão de princípios.
Ano passado minha alma teve cãibras. A vida ficou toda ela um tanto contraída, a ousadia de se mexer doía. Fiquei parado, estive parado. A cabeça deu-se a praticar tipo mesquinho de dialética - para cada ideia que brotava sobre próximos passos, era produzida anti-ideia, tão sofisticada quanto. Tornei-me exausto por operações de soma-zero. Custei a concluir o que hoje me parece óbvio - sozinho já não dava conta das demandas com que eu me presenteava.
Busquei uma terapeuta. Duas vezes por semana, deito no divã e submeto-me a golpes de psicoanálise. O salário apequenou-se. Há dias em que saio da sessão pronto para entregar meu cérebro a um grupo de estudos sobre causas perdidas, pelo progresso da ciência. Há outros, contudo, em que deixo a sala com preciosas constatações, algumas até gentis. Por vezes, sem que eu mal perceba, minha voz torna a fazer sentido, e uma ideia é só uma ideia, mas inteira e com ares de produtiva. Bem-vinda. Aos poucos, em processo lento e irregular - fique calmo, como não seria? - recupero alguma forma de protagonismo sobre a vida e as possibilidades que se me apresentam. A alma não reclama de alongar-se.
Acima de tudo, descobri forma bonita de gostar de mim. Não compreendo a psicoanálise e seus funcionamentos, nada tenho a apresentar por resultados concretos. Mas a decisão de frequentá-la foi prova de que mereço cuidado. Um gesto humilde - para cuidar de mim, foi necessário renunciar à vaidade de bastar-se. Não me basto, mas me tenho carinho. Zelo por mim como zelava pelos outros aspectos de minha vida. Cuidar de mim como forma de amor-próprio.
É sem qualquer cinismo que hoje sinto a mais profunda admiração pelos amigos de que falei. Não somente - por cada pessoa que decidiu ser merecedora do próprio carinho. Meditação, diários, terapia, misticismo; para além de resultados, para além do método, há mérito em buscar maneira qualquer de se colocar em evidência. E parabéns; verdade é que a vida apresenta motivos suficientes para que não raro esqueçamos disso.
Respiro. O caminho é longo, espero que longo, não pretendo que ele tão cedo acabe. Por ora, conto as moedas no banco e aprendo a curtir a novidade singela que é gostar de mim.
Respiro. O caminho é longo, espero que longo, não pretendo que ele tão cedo acabe. Por ora, conto as moedas no banco e aprendo a curtir a novidade singela que é gostar de mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário