Ultimamente, tenho me interessado sobre a história da família, esse jogo de erros secular cujo resultado parcial sou eu e minhas circunstâncias. Fatos interessantes sobre os mortos me foram desvelados; meu bisa Johann (vovô João), suíço, partiu de casa para o Canadá aos quatorze, brigado com o pai abastado, deixando para trás apenas a promessa de voltar e buscar minha vó. Voltou e buscou-a, cruzaram juntos o Atlântico para a São Paulo dos anos vinte, vovó Maria levando na barriga a filha de outro homem. Outras tantas historietas surgiriam, mais ou menos carregadas em seus tons épicos. Por esses dias, contudo, tenho estado mais curioso sobre as perspectivas dos vivos, enquanto assim ainda os tenho.
Nesse domingo, perguntei a minha vó sobre como havia sido o casamento dela. Afora outros dados banais - bairro, nome da igreja - seu único comentário foi o de que teria dado "sorte com os docinhos". Ela "nem conhecia as meninas que faziam, chamou-as de última hora, mas todo mundo elogiou". Sorri, soltei qualquer condescendência, e estava pronto para descartar o absurdo como coisa de velho; embebido em meus vinte e seis anos, com tantos amigos e amigas vivendo a sucessão de eventos que leva ao casório, pareceu-me um disparate ter tão somente o bem-casado como lembrança notável da festa. Para esta mente já não tão jovem, mas com a perspectiva de ter o maior naco de vida a ser ainda desfrutado, há a urgência de catarse, a necessidade do gatilho glorioso que inaugure um futuro promissor.
E hoje os docinhos do casamento da minha vó visitam-me novamente, em formas mais depuradas. Arrisquei um vislumbre, essa coisa rara, em seus pensamentos de velha senhora. O que lhe resta daquele dia? Seu noivo, pobre meu avô, já há muito foi extinto; os convidados e convidadas, que imagino terem tomado de assalto a pista de dança por toda uma noite, ou já expiraram, ou decaem aos poucos na melancolia privada da velhice. As fotos do dia, de amareladas que estão, mal conservam seus contornos, fazendo dos presentes um jogo de adivinha. Os filhos que viriam daquela feliz parelha há anos deixaram a casa para viver suas próprias glórias; por felicidade, estão ainda todos a vivê-las. Reconheço minha estreiteza e faço justiça a minha vó; parece-me que a única lembrança daquele dia que não vem acompanhada de pungente ausência seja mesmo a da sorte que teve com os docinhos, e dos elogios que por eles recebeu. E está bom demais para um almoço de domingo, vó.
Penso em mim. Penso em nós, que arriscamos os primeiros dedos por sobre uma vida que passamos, cada vez com segurança maior, a chamar de nossa. Tantos são os planos, tantas são as lutas e os sentidos a que lhes atribuímos. Vejo-nos casando, vejo-nos preparando nossas apostas para um futuro que será, assim esperamos, o que fizermos dele. E, ainda que a visão me encha o peito de feliz dormência, não posso evitar sentir também os primeiros contornos de tristeza pelos dias que virão. Pois, por mais que nos preparemos, com mais frequência do que gostaríamos, o aleatório nos mostrará a face cruel dos dados, e boas lembranças terão ausências que as acompanhem.
Na noite de hoje, portanto, nada de sonhos grandiosos, de grandes casamentos, de histórias de amor intercontinentais. Hoje eu desejo apenas que tenhamos sorte com os docinhos.
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