quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Arnaldo feito fato.


Tive, sexta-feira última, encontro bem particular com uma ideia. Matheus Torreão, um amigo, costuma comentar sobre o quão desconfortável e imprevisível é conhecer seus ídolos; eles são, afinal, parcela do que somos, sem nem desconfiarem; tocam-nos, convivem conosco e participam de nossos dias, sem ao menos saberem nosso primeiro nome. Em contrapartida, que temos de nossos ídolos, além da ideia que nos foi apresentada através de sua arte? São humanos imperfeitos, possuem mazelas tantas das quais pouco, ou nada, sabemos; abusam da bebida, cheiram mal quando suam, erram a concordância verbal, não cuidam bem da higiene dentária. Aos nossos ídolos, não lhes permitimos o fato. Pois bem, sexta-feira passada, Arnaldo Baptista fez-se fato aos olhos de uma pequena multidão.

Não que não tenhamos tido aviso prévio. O documentário "Loki?"¹ (feche este blog e assista), há poucos anos lançado e bastante divulgado, devassou a vida de Arnaldo, para a surpresa de um público desavisado e esquecido, para quem o irmão Baptista mais velho era outro artista recolhido pela história, era um Mutante, era o rapaz do "mais louco é quem me diz". Não foi sem culpa, portanto, que se assistiu à tragédia silenciosa de um homem, da qual fomos testemunhas sem sequer sabermos. Um cérebro desmontado pelas drogas, um coração desfeito de amor, um corpo quebrado pela gravidade e três andares de um hospício. E, por outro lado, a beleza do cuidado de uma desconhecida, as mãos que reencontraram a música, o velho que se fez menino para que, pondo de lado a sanidade, pudesse viver novamente. Eis Arnaldo, hoje.

Eis Arnaldo, no Teatro Santa Isabel. Entrou marchando, vestindo uma camisa brilhante, acenava atabalhoado ao público. E, aos que ensaiavam o óbvio comentário, respondeu de pronto com "Cê Tá Pensando que Eu Sou Lóki?"; uma grande maioria ali sentada já diria que sim. Assim seguiu a apresentação, em toda sua hora de duração. Pedaços de sucessos dedilhados ao piano e cantados sem qualquer compromisso com a melodia original. Dúzias de covers fatiados, de "Hit the Road, Jack" a "Over the Rainbow", de Elton John a Bob Dylan; não mais do que quarenta segundos de cada. Sobre o palco, Arnaldo, seus quadros e um piano de cauda, em show devidamente chamado de "Sarau".

E Arnaldo fez-se fato. Não faltou quem reclamasse, não faltaria quem pedisse seu dinheiro de volta, não fosse essa uma apresentação gratuita. E entendo o desapontamento de quem foi ver o show do "cara d'Os Mutantes", ainda que, cá comigo, eu lhes diga um sonoro "bem feito". Vá alguém fazer uma crítica objetiva do show, e lhe faltarão linhas. É tecnicamente pobre, o setlist se prolonga em canções que não guardam qualquer identidade entre si, Arnaldo já não canta, ou quase isso. Mas quem é o indivíduo de má fé que escreveria objetivamente sobre a última sexta-feira? O que se viu foram sessenta minutos de redenção de um artista com sua arte, de um homem com sua vida, de um gênio com o público que o esquecera. Arnaldo Baptista não deixou de sorrir por um instante, enquanto esteve conosco. E é a este fato que me atenho. 

Por fim, em um dos quadros que serviam de fundo para a apresentação, lia-se, em duas colunas:
"Não acredito em: - Deus - Eternidade - Infinito;
Gosto de: Amplificadores Valvulados"

Que mais dizer?



¹ http://pt.wikipedia.org/wiki/Loki_-_Arnaldo_Baptista

Um comentário:

  1. fechei o blog e fui vi(ver) o loki.

    é, me arrependi dos pensamentos todos daquele dia!

    ele sente o pulso de todos os tempos..com ele.

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