Experimento determinado incômodo de forma recorrente quando discuto os limites da liberdade de expressão para sátiras (e ofensas, mesmo) a crenças religiosas. Os meus queridos e crentes interlocutores vão a grandes distâncias retóricas para justificar que alguém não possa, a título de exemplo, chamar o deus cristão um grandessíssimo cretino, mas sequer questionam a liberdade de professar um credo segundo o qual euzinho, se não mudar minhas convicções em vida, ao fim dela, passarei a eternidade - eternidade! - em lugar, no mínimo, desagradável - e que é descrito, com frequência alarmante, como algo envolvendo muito fogo. Ou, nas palavras divinamente inspiradas de Matheus, sobre eu e meu grupelho de ímpios: "irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.” (26:46).
Tormento (ou punição, de acordo com outras traduções) dificilmente é uma palavra que alguma interpretação faça soar bem - seguida de "eterno", então, é algo com o que sequer a Coreia do Norte consegue ameaçar seus prisioneiros (toda a população do país, diga-se); esses coitados têm a morte, ao menos, para livrá-los do sofrimento que lhes foi imposto (e se alguém vier me falar de 'escolha', eu desenho um Maomé sodomita, assino com o nome do sujeito e publico na internet). Temos aí exemplo acabado do sistema penal mais cruel e inflexível de que se teve notícia na história: um único julgamento; sem apelação (a não ser que você seja o Zé Grilo); e condenação eterna.
Será que não ocorre aos mais crédulos o quão ofensivo isso pode soar a mim ou aos demais que negam jesus, deus, a trindade inteira, os evangelhos e a transubstanciação (ou vampirismo) em suas vidas? Que a maior parte da população acredita realmente que, apenas por fazê-lo,mesmo sendo pessoas absolutamente boas, depois de morrermos, passaremos uma eternidade em punição (mais ainda: como vocês ficam bem com isso?)?
Cá comigo, "acho isso tudo uma grande piada e um tanto quanto perigoso" e nunca vou questionar a liberdade de alguém proclamar folclore qualquer em que acredite, mesmo que ele carregue consigo uma sentença de pós-morte em meu nome. Mas fica a sugestão de ideia aos crédulos que têm considerado a hipótese de limites a ofensas contra religiões quaisquer: o quão ofensiva pode ser, em essência, essa mesma crença.